Como tudo começou

cartaz

Foi em 2007, andando pela rua Guaicurus, bem perto do belo prédio da União Fraterna, que recebi um panfleto de divulgação de uma casa noturna. Me chamou atenção a qualidade do papel, a cor da tinta impressa, a diagramação ingênua promovendo noites de dança e prazeres. Logo percebi que tinha sido impresso em tipografia* e, apesar da banalidade da informação, aquele papel me fez recuar mais de quinhentos anos, quando ali, naquele lugar, só havia a mata próxima da várzea do rio Anhembi – hoje Tietê – enquanto, do outro lado do oceano, a velha Europa renovava-se com o advento da imprensa. E avancei novamente no tempo, não só para aquele momento do século 21, mas para um futuro que não consegui vislumbrar, mas que já me parecia vivo e certo. Todo esse devaneio me fez considerar aquele impresso algo muito especial.

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Contatei a tal casa noturna pedindo o telefone da gráfica que havia impresso o panfleto. E assim cheguei ao Ricardo e ao Seu Roberto Rossini, filho e pai que trabalhavam juntos na Rua Antonio Fidelis, nº 35, na Lapa de Baixo. Com a presença marcante do tempo em cada canto daquela casa – que pertencera à avó de Seu Roberto –, no coração da Lapa, vi que ali tinha muita história a ser contada. E impressa. Ao sair da primeira visita àquela pequena gráfica, vislumbrei a mistura de muitos afetos: aquelas pessoas, esta cidade, antigos saberes e fazeres. Um livro.

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Por alguns anos, alimentei o desejo de registrar depoimentos desses mestres tipógrafos, que pudessem compor um pequeníssimo mas significativo recorte da gráfica paulistana contemporânea para fazer frente ao comentário comum que ouvia por aí, principalmente dos mais jovens, de que “não tem mais tipografia em São Paulo”. É certo que vão diminuindo bastante as demandas desse tipo de impressão frente à introdução das novas tecnologias digitais, mas acredito que vem se transformando o foco de suas aplicações comerciais e a tipografia permanece como linguagem.

No projeto que internamente vinha elaborando, vi a possibilidade de entrevistar alguns outros tipógrafos além da família Rossini, velhos e novos conhecidos, que pudessem ter perfis e trajetórias de vida bem distintas. A concretização desse projeto ocorreu em 2012, após ter sido selecionado pela Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo através de seu Programa de Ação Cultural (ProAC). Este sítio na internet pretende expor os registros do processo, das entrevistas à execução da publicação, bem como avançar na proposta de se documentar outras tipografias que ainda atuam na cidade.

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* Nota:  Uso o termo tipografia em suas diferentes acepções, sendo (1) a arte que compreende as várias operações conducentes à impressão dos textos, desde a criação dos caracteres à sua composição e impressão; (2) sistema de imprimir com formas em relevo –sistema tipográfico –; (3) arranjo ou estilo do texto tipográfico e (4) estabelecimento tipográfico. O contexto de cada frase onde o termo se insere determina seus significados. Da mesma forma, o nome tipógrafo aqui refere-se ao indivíduo versado na arte da tipografia e que executa, ou dirige a execução, das operações conducentes à produção de impressos, tanto na composição como na impressão dos tipos.

G I L B E R T O  T O M É

http://www.gilbertotome.art.br

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